Brahmagupta, Herón e Algumas Aplicações Interessantes

Brahmagupta (589-668) foi um matemático e astrônomo indiano, e sua principal contribuição, pelo menos àqueles que estudam geometria mais a fundo, é o teorema sobre quadriláteros cíclicos que leva seu nome. Seu teorema é muito importante no cálculo de áreas, inclusive de triângulos. Agora é o momento que você para e pensa: Quadriláteros inscritíveis? Triângulos? Áreas? Calma, vocês verão que tudo vai se acertar. Caso não conheça muito sobre o assunto “quadriláteros inscritíveis”, clique aqui e aqui para saber mais sobre este tópico de geometria plana.

Bom, vamos investigar qual a área de um quadrilátero cíclico, ou inscritível, como queira.

Primeiro, lembremos do nosso primeiro post sobre quadriláteros inscritíveis:

“Um Quadrilátero é inscritível se, e somente se, a soma de ângulos opostos é 180 graus”

Pra que isso vai ser útil? Tudo! Denotemos por ângulos opostos em um quadriláteros cíclico α e γ. Bom, se os lados forem, nessa ordem, a,b,c,d, com o ângulo entre a,b sendo α e γ o ângulo entre c,d. Logo, pela lei dos cossenos nos dois triângulos (eles têm um lado em comum, que é a diagonal):

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Pois clip_image006. Logo, devemos ter

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Utilizando o teorema dos senos para as áreas,

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Pois clip_image012. Assim, utilizaremos o cosseno do ângulo para determinar seu seno. Portanto,

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Definindo clip_image024, e substituindo o seno na fórmula (*), teremos

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Notemos também que a famosa fórmula de Heron (ou Herão) de Alexandria é apenas um caso particular da fórmula de Brahmagupta: se tornarmos d=0 (D=C), teremos

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Que é válida para todo triângulo, pois todo triângulo é inscritível.

Com essas belas e utilíssimas fórmulas em mãos, podemos resolver muitos problemas. Um deles é o seguinte:

Problema 1: Um quadrilátero é dito bicêntrico quando este é inscritível e circunscritível. Prove que a área máxima de um quadrilátero bicêntro com perímetro fixo ocorre quando as duas circunferências são concêntricas.

Resolução: Ora, pela fórmula de Brahmagupta, temos

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Mas, pela condição deste ser circunscritível,

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Logo, a área do quadrilátero é

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Logo, pela desigualdade entre as médias para quatro números reais positivos,

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E a área máxima ocorre se, e somente se, a=b=c=d. Logo, o quadrilátero que queremos é um quadrado. Porém, um quadrado tem ambas circunferências, a circunferência inscrita e a circunscrita, com centro no encontro de suas diagonais, que completa o problema.

Note que esse último problema utilizou argumentos mistos algébricos e geométricos. Isso é muito comum ao se usar a fórmula com a qual estamos trabalhando: geometria “com contas”. Geralmente este termo é utilizado pejorativamente pelos fãs de geometria euclidiana plana, porém não deveria, pois muitos problemas saem muito mais rapidamente quando utilizamos as famosas contas.

Problema 2: Seja a figura abaixo. Mostre que h=2r.

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Resolução: Vale fazer a ressalva que essa estrutura (formada por um semi-círculo maior tangente a dois outros tangentes externamente e internos ao primeiro) é muito conhecida há muito tempo. Seu nome é arbelos, do grego “faca de sapateiro”.

Neste problema, utilizaremos um teorema que ainda não vimos neste blog: o teorema de Stewart. Para saber mais sobre este teorema, clique aqui. Enfim, ele diz que, dado um triângulo como na figura, devemos ter

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Depois demonstraremos, pela boa e velha trigonometria, esta importante fórmula. Porém, agora apenas nos convém utilizá-la. Utilizaremo-na no triângulo cuja altura é h e tem vértices nos centros das circunferências internas à maior. Este triângulo tem lados

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Considerando a ceviana que liga o centro da circunferência inscrita ao centro da circunferência grande, esta tem medida

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E n,m valem, respectivamente

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Logo, ao utilizar Stewart, devemos ter

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Após algumas (muitas, mas por abreviação deixaremos esta parte ao leitor) manipulações algébricas, conseguimos mostrar que

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Agora que entra Brahmagupta (ou quase). Na verdade, é Herão que usaremos aqui, mas já mostramos que Herão é apenas um caso particular de Brahmagupta. Pela fórmula de Herão,

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É a área do triângulo. Mas, por outro lado,

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Assim, substituindo nossa expressão do valor de r na equação de Herão,

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Que nos dá

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De onde o resultado segue.

Há muitas outras utilizações destas incríveis expressões de cálculo de área somente em função dos lados dos polígonos. Vale a pena ressalvar que não é possível, caso o quadrilátero não seja cíclico, expressar sua área apenas como função dos lados, e demonstraremos este fato em breve, no próximo post sobre relações de áreas.

Por hoje é só, pessoal. Espero que tenham gostado e que a importância destas fórmula esteja evidenciada após esse post.

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Comentários

  1. Oi, João Pedro!

    Muito belo e elegante os problemas e resoluções aqui apresentados.

    O conhecimento geométrico acumulado pelos antigos é impressionante. Creio que seriam necessários vários tomos para condicioná-los.

    Continue nos brindando com estes excelentes posts.

    Só uma sugestão. Assim como eu, acho que nossos leitores ficam curiosos de saber a fonte de suas pesquisas.

    Um grande abraço.

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  2. Muito bom o post e como o Aloisio, também fiquei curioso com as fontes. Continue divulgando matemática de qualidade. Parabéns!

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  3. Olá, pessoal! Muito obrigado pelos elogios, tentamos sempre passar o conhecimento que temos!

    Quanto às fontes, peço desculpas por não colocá-las.

    Tirei a ideia de demonstração de Brahmagupta do livro do T. Andreescu e Z. Feng, "103 Trigonometry Problems: From the trainning of the USA IMO team".

    O primeiro problema eu mesmo elaborei, e o segundo vi em um site que não me lembro, mas é muito conhecido este resultado, acredito até que Arquimedes já soubesse.

    Além disso, o teorema de Stewart se deve ao blog parceiro, "O Baricentro da Mente".

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  4. vc poderiam colocar as fontes e falar sobre as biografias e contribuiçoes cientificas de hiparco de niceia, brahmagupta, por exemplo, para nos leitores entendermos melhor so a historia e desenvolvimento da trigonometria

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  5. João, excelente... Usei as informações para o meu TCC (profmat) .... Muito obrigado

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