Sequências, Séries e Progressões: Parte 4 - Introdução às Séries de Potências e Funções Analíticas

Oi, pessoal! 

Apresentamos aqui uma introdução às funções analíticas complexas e à teoria formal das Séries de Potências. Ao longo do nosso caminho, vamos ver que a teoria de funções complexas diferenciáveis (ou funções holomorfas) está intimamente ligada à teoria que vamos construir aqui. 

De fato, em um futuro próximo falaremos de funções holomorfas e Análise Complexa. Na verdade, o tópico de hoje é um tópico de Análise Complexa, e de extrema importância pra sequência do assunto.

Primeiras Definições, Propriedades e Exemplos

A ideia geral é definir o sentido de expressões como a clássica 


Ou seja, determinar quando e para quais uma expressão "formal" do tipo 


converge, e determinar propriedades de uma função desse tipo.

Assim, definimos uma série de potências como uma sequência de funções associada a uma sequência, do seguinte modo: 


De modo que temos 


A qual chamaremos de reduzida de ordem n da série. É mais comum utilizar a notação 


Para a série de potências. A sequência considerada é de números complexos, de modo que agora a tarefa se resume a determinar para quais a série acima converge, e, se esta convergir, se a convergência também é absoluta, no sentido que a série de termos positivos 


Isto nos leva naturalmente a considerar o número 


Que chamaremos de raio de convergência da Série. É fácil ver que a convergência é absoluta para todo complexo de módulo menor que o raio de convergência. Logo, podemos definir a função 


Dizemos que uma tal função é uma função analítica em torno do zero. De modo análogo, dizemos que uma função é analítica em torno de a se esta pode ser expressa como uma série de potências 


Em alguma vizinhança do ponto a

Como se é de imaginar, funções analíticas têm muitas propriedades interessantes - afinal, são funções analíticas = deveriam ser muito importantes para a Análise! Uma muito importante propriedade é que, dentro de seu raio de convergência absoluta, estas são funções infinitamente diferenciáveis no sentido real, ou seja, 


Porém, a reciproca não vale: veremos que uma função analítica não pode se anular mais do que uma quantidade finita de vezes em um conjunto compacto, enquanto há funções infinitamente diferenciáveis que se anulam em conjuntos muito grandes. 

Se uma série tem raio de convergência > 0, então provaremos que 

Proposição 1: 


Prova: Seja 

Logo, temos que, se é menor que , então 


Que implica que 


Por outro lado, se 

Que implica que, se 

Logo, , completando a demonstração. 

Esta proposição nos relaciona diretamente os coeficientes da série com o comportamento desta. Por exemplo, já sabemos que a série 


Tem raio de convergência exatamente 1, e que a série 


Converge absolutamente para todo em C. Mais tarde veremos mais sobre estas duas séries, principalmente a segunda, que define a central função exponencial. 

Por enquanto, observemos propriedades interessantes de séries de potências: 

Proposição 2:  Sejam S,Q duas séries de potências com raios de convergência q, respectivamente. Então a série S . Q possui raio de convergência maior ou igual ao min{s,q}, onde esta pode ser escrita como 


Prova: Deixada ao leitor.

De fato, é um exercício fácil também demonstrar que a soma de duas séries de potências e a multiplicação de uma série de potências por uma constante ainda são séries de potências, e determinar seus raios de convergência. 

Exercício 1: Prove que se é a série de potências dada por 


Com raio de convergência > 0, então existe uma outra série de potências tal que seu raio de convergência é positivo e, se |z| < min{S,Q}, vale que 

S(z)Q(z) = 1.

Dizemos que uma função de em é analítica no um aberto se, para cada em U, existir r(a) > 0 tal que 


Exercício 2: Se é analítica em U, então prove que, para todo z, a representação acima é tal que


Esses dois últimos fatos são, embora fáceis, importantes para a teoria que estamos a desenvolver. 

Definição: Dizemos que uma função  é holomorfa ou diferenciável no sentido complexo em um ponto z de U se existe e é finito o limite 


Exercício 3: Mostre que, se f é analítica em U, então f é holomorfa em U

Surpreendentemente, vale a recíproca deste último fato, ou seja, que toda função holomorfa em um aberto U é na verdade analítica, mas a prova deste último fato é consideravelmente mais complicada que o último exercício acima. Falaremos mais sobre esse assunto quanto estivermos falando da Teoria de Cauchy para funções holomorfas. 

Exemplos: 

1 - A função identidade, i.e., Id(z) = z, é analítica com raio de convergência infinito. Chamamos uma tal função de inteira. 

2 - Mais geralmente, qualquer polinômio  é uma função inteira

3 - A função  é Inteira.

      Exercício 4: Mostre que tal função satisfaz que 



4 - A função 1/z é analítica em qualquer disco , mas não além, pois esta não pode ser definida no zero.

5 - A função definida por  é analítica em Re(z) > 0 (verifique!) 

Relacionando o Exercício 3 com a nossa teoria, podemos provar a seguinte propriedade:

Proposição 3: Se f é dada por uma série de potências, então a sua derivada complexa é dada pela derivação termo-a-termo, ou seja,


Com esta última série tendo raio de convergência igual ao de f.

Prova: O fato do raio de convergência ser igual ao de f é um corolário imediato da Proposição 1. Chamemos então esta última série de S (z). Sem perder generalidade, podemos supor a = 0. 

Basta então Calcular 


Trocando a ordem das somas (pois são apenas termos não-negativos), obtemos 


Que converge a 0 quando h também, e terminamos a prova. 

Propriedades Gerais de Zeros de Funções Analíticas

Comecemos com um princípio importante.

Proposição 3: Se  é uma função analítica não identicamente nula, e U um aberto conexo. Então, para todo z zero de em U, existe um disco aberto

 

Prova: Como f é analítica em torno de z e não identicamente nula, podemos escrever (verifique!)


Mas então, da continuidade de g, temos que existe r > 0 tal que em D(z,r) a função g não se anula. Consequentemente, da fatoração, temos que f não se anula nesse disco, apenas em z, que prova a propriedade desejada. 

Corolário 4: Se f é analítica e não se anula identicamente num aberto conexo e limitado U, então esta possui apenas uma quantidade enumerável de zeros. 

Corolário 5: Se f,g são analíticas em um aberto conexo U, então são equivalentes 

(a) f = g 
(b) f = g em um subconjunto denso V de U
(c) f = g em um conjunto que se acumula em U
(d) f = g em um aberto W contido em U

Este último corolário é o chamado princípio da continuação analítica, e possui diversas implicações, como, por exemplo

Corolário 6: Se f,g são duas funções analíticas inteiras que coincidem em R, então estas são iguais. 

Dizemos que uma função  é analítica inteira real se esta pode ser escrita como uma série absolutamente convergente para todo x real


Do último corolário concluímos que

Corolário 7: Toda função analítica, inteira e real pode ser escrita como a restrição a R de uma única função analítica e inteira definida em C.

Prova: A existência de tal função é direta, definindo


E notando que esta é absolutamente convergente para todo z complexo. 

A unicidade vem então do Corolário 6, pois, se F,G são duas funções analíticas e inteiras com a propriedade acima, então essas coincidem em R, e, logo, coincidem em todo o plano complexo. 

Exercícios Adicionais e Problemas

1 - O objetivo deste exercício é provar que o conjunto de funções analíticas é fechado por composição de funções. Para isso, é interessante resolver os seguintes itens: 

(a) Prove que, se f é uma função analítica definida em um aberto U de C, então  é analítica
(b) Prove que, se P é polinômio e f é como no item (a), então a composta P o f é analítica. 
(c) Prove que se uma sequência de funções analíticas converge uniformemente a uma função, então esta última é também analítica. (Dica: prove que a convergência uniforme implica a convergência dos coeficientes da série de potências) 
(d) Conclua que, se f é uma função analítica definida em um aberto U e tomando valores em um aberto V, e, além disso, g é uma função analítica definida no aberto V, então a composta g o f é também analítica. 

2 - Calcule o raio de convergência das séries de potências cujos coeficientes são dados pelas seguintes sequências: 

(a) 
(b) 
(c) 

3 - Determine, em cada item, uma série de potências S que satisfaça as equações desejadas:

(a) 
(b) 
(c) 

4 - Defina uma sequência de funções analíticas por 



Prove que:

(a) Para todo k natural,  

(b)  é analítica no disco D(0,1), cuja série de potências é dada por 


(c) Expresse  como quociente de polinômios

5 - Seja f uma função analítica definida em C tal que f (2z) = (f (z))² para todo z em C e f restrita a R é real e positiva. Mostre que existe t tal que  (Dica: defina t como tal que , prove que, para todo n natural temos que  e use o princípio da extensão analítica) 

6 - (Para este problema, assuma que vale o Teorema da Função Inversa, ou talvez o Teorema da Forma Local) Prove que, em ambos os casos abaixo, as únicas funções f do aberto conexo U em C que são analíticas e satisfazem as propriedades desejadas são as constantes: 

(a) f (U) está contido em
(b) | f (z)| = 1 para todo z em U


Comentários

  1. O conteúdo é muito bom, mas para ter uma opinião como a minha é preciso ter uma intimidade com o cálculo.

    http://adf.ly/YDh83

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    1. Oi, Ademilson!

      Obrigado pelo elogio e pela crítica. Estamos tentando avisar mais nos posts sobre a possível existência de conteúdo mais avançado, e tentaremos, em muito breve, cobrir todo o conteúdo necessário para compreender nossos posts.

      Atenciosamente,

      A equipe do blog.

      Excluir

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